Transferência de divisa é recorde com dólar em alta
12 de fevereiro de 2021
A forte desvalorização do real, as dinâmicas de trabalho impulsionadas pela pandemia e a dificuldade do Brasil de lidar com a crise da covid-19 ajudam a explicar a entrada recorde de remessas pessoais no país em 2020, uma tendência que pode continuar sendo observada ao longo deste ano, segundo especialistas.
A receita com transferências entre pessoas físicas (recursos do exterior enviados ao Brasil) somou US$ 3,3 bilhões no ano passado, uma alta de 15% ante 2019 e o maior valor da série histórica do Banco Central, iniciada em 1995. Como as despesas (remessas do Brasil para outros países) recuaram quase 30%, para US$ 1,5 bilhão, o resultado foi um saldo líquido de transferências entre residentes e não residentes no Brasil de US$ 1,84 bilhão em 2020, o maior desde 2008, até quando costumava ficar acima de US$ 2 bilhões.
“A principal variável é a taxa de câmbio. Quando o câmbio está baixo, as despesas avançam mais do que as receitas. Agora, temos o contrário”, diz Jacques Zylbergeld, superintendente de câmbio no Banco Rendimento. Na instituição, as receitas com remessas pessoais cresceram quase 30% em 2020, na comparação com o ano anterior.
“No começo do ano, houve uma interrupção grande dos negócios. Muitos pontos físicos ficaram fechados. Depois, estabelecimentos foram reabrindo e as remessadoras lá fora também foram se adequando aos meios digitais”, afirma.
Embora a linha de transferências pessoais tenha peso menor no balanço de pagamentos brasileiro, especialistas apontam que seu acompanhamento é interessante porque “está mais perto da vida das pessoas”, como diz Hebert Neves Ribeiro, gerente-executivo de câmbio do Banco Inter.
Ele atribui boa parte do impulso nas receitas a fatores mais ligados ao universo do trabalho. Por um lado, a pandemia fortaleceu o “home office” e ampliou a possibilidade de pequenos prestadores de serviços no Brasil atenderem clientes espalhados pelo mundo. Por outro, a forte depreciação do real deixou essa mão de obra brasileira mais barata e competitiva para contratantes em dólares, por exemplo.
Esse universo reúne, segundo Ribeiro, pessoas físicas e microempreendedores individuais que oferecem serviços ligados a tecnologia, como desenvolvimento de softwares, ou produtores de conteúdo e tradutores, entre outros. O Inter observou alta de quase 600% em remessas pessoais relacionadas ao trabalho no ano passado, na comparação com 2019, diz Ribeiro.
Tradicionalmente, a principal origem das remessas pessoais ao Brasil são os Estados Unidos, cuja receita subiu 27% em 2020, na comparação com o ano anterior, atingindo US$ 1,6 bilhão, quase metade das entradas totais.
Na sequência, vem o Reino Unido, com US$ 642,3 milhões, alta de 68% ante 2019. “Grande parte dos serviços que mencionei é contratada via Estados Unidos. E a Inglaterra também acaba concentrando operações globais de tecnologia”, afirma Ribeiro, citando a legislação favorável.
Ele lembra, porém, que esses países também reúnem muitos trabalhadores que enviam recursos para suas famílias no Brasil. “O brasileiro trabalha bastante nos Estados Unidos, na Irlanda e no Reino Unido, como Londres, embora agora menos por causa do ‘brexit’”, diz Zylbergeld, do Rendimento, acrescentando ainda o Canadá como país importante para a operação do banco.
Para essas remessas rotineiras, de pequenos valores, o BC estabelece um limite de R$ 10 mil (hoje, algo como US$ 2 mil), mas os especialistas observam que os envios ao Brasil costumam ficar bem abaixo disso, ao redor de US$ 600. Remessas dos EUA, por exemplo, tem um “ticket médio” de US$ 700, segundo Fabrizio Velloni, economista-chefe da Frente Corretora, que tem operação em Orlando. “Estamos no processo recessivo desde 2016, muitas pessoas saíram do Brasil e, hoje, sustentam suas famílias com esses recursos”, diz.
As “transferências familiares”, ou até entre contas de um mesmo titular, também são características da terceira principal origem das remessas pessoais ao Brasil: Portugal, com US$ 213,9 milhões de receita em 2020. Mas, neste caso, houve queda de 10% em relação a 2019. Ana Luisa Mello, economista da MCM Consultores, observa que as dinâmicas entre Brasil e Portugal são mais “intercambiáveis”. “A pessoa reside um pouco aqui, um pouco lá. As transferências de recursos podem ter diminuído porque reduziu também essa ‘globalização’, no sentido de pessoas indo e voltando de Portugal”, afirma ela.
Sobre o aumento geral das remessas pessoais ao Brasil, ela acrescenta que a situação sanitária e econômica do país pode ter gerado preocupação para quem acompanhava a situação de fora. “Muitas dessas transferências são feitas entre parentes ou pessoas próximas que viram seus relacionados no Brasil em condições financeiras mais complicadas”, sugere a economista.
Com a forte depreciação cambial no Brasil, mesmo que a pessoa remeta a fração do seu trabalho executado a que está acostumada, os destinatários por aqui já receberiam um valor maior em reais, lembra Ribeiro, do Inter. E, com a alta do dólar, algumas pessoas aproveitam para enviar até “recursos extras”, para realizar investimentos, como a compra de um imóvel, diz Velloni, da Frente.
A expectativa para 2021 é que as transferências pessoais tenham “uma cara meio parecida” com as de 2020, diz Ana Luísa. As fortes receitas podem até se pronunciar mais, afirma ela, considerando que a atividade em outros países, como os EUA, deve retomar mais rápido e com mais ímpeto do que no Brasil, pelo próprio avanço da vacinação.
Ribeiro observa que a dinâmica de “trabalhos sem fronteiras” também “veio para ficar” e soma-se aos esforços do BC por uma nova legislação cambial, o que daria mais fluidez a essas operações.
Segundo Zylbergeld, do Rendimento, o ano começou com receitas de transferências pessoais em ritmo similar ao observado em 2020, após o dólar subir mais de 5% diante do real em janeiro. “Mas o que vai acontecer daqui para frente vai depender muito da taxa de câmbio”, afirma.
Fonte: Valor Econômico
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