PT | EN

Empresas Rendimento:

O real está mais forte ou o dólar mais fraco?

28 de abril de 2023

Diante de uma combinação de fatores internos e externos, a moeda brasileira ganha musculatura diante da divisa americana. O rumo da disputa, no entanto, segue incerto.

 

ISTOE DINHEIRO

Jaqueline Mendes - 20/04/23 - 04h20

 

A Marianne, escultura bicentenária estampada nas cédulas de real e que durante a Revolução Francesa foi um dos principais símbolos da liberdade e dos movimentos republicanos, respirou aliviada nos últimos dias. Pela primeira vez em dez meses, a cotação da moeda brasileira ficou abaixo de R$ 5 por mais de uma semana em relação ao dólar. Na sexta-feira (14) chegou a R$ 4,91, mas subiu para R$ 4,97 na terça-feira (18). Seja qual tenha sido os centavos depois da vírgula, o fato é que a valorização do real (ou a desvalorização do dólar, para quem prefere a ordem indireta) é fruto de um raro alinhamento dos astros econômicos dentro e fora do Brasil.

 

Na órbita interna, a demonstração de que o governo estaria mais comprometido com a trajetória da dívida pública, após o anúncio do Arcabouço Fiscal ao Congresso, foi fator determinante. No lado internacional, houve uma percepção de que o ajuste monetário nos Estados Unidos está dando certo, aumentando as apostas de que o banco central americano, o Fed, pode ser mais brando nas próximas reuniões de definição da taxa básica de juros ­— o que é muito positivo para moedas emergentes.

 

No ponteiro da balança, com os acontecimentos internos de um lado e fatores externos do outro, pesou mais o cenário internacional para essa alta do real frente ao dólar, segundo o economista Fábio Sobreira, sócio e analista da corretora Harami Research. “Mundo afora o dólar também caiu. É normal que isso aconteça no Brasil”, afirmou o especialista, relembrando que o patamar abaixo de R$ 5 contraria 99,9% das projeções feitas meses atrás para o câmbio brasileiro. “As pessoas costumam dizer que Deus criou o câmbio para humilhar os analistas e economistas. Ou seja, não temos ideia de qual será o rumo nos próximos meses. Qualquer coisa pode acontecer com o dólar, sejam fatores internos ou externos.”

 

A boa notícia é que, se o real engatar em uma tendência de valorização daqui em diante, haverá uma redução das pressões sobre a inflação e ambiente mais favorável para um corte na taxa básica de juros, a Selic, hoje em pornográficos [expressão de autoria do presidente da Fiesp, Josué Gomes] 13,75% ao ano. “O dólar com paridade perto de R$ 4,70 ou R$ 4,80 seria um valor justo, dado os preços que nós temos lá fora”, disse Jacques Zylbergeld, superintendente de Câmbio do banco Rendimento, especializado em operações em moedas estrangeiras. “A inflação, com certeza, tende a diminuir. Afinal de contas, muitas das coisas que temos, muitos dos produtos consumidos aqui são dolarizados”. A própria gasolina é um deles, ou seja, um fator muito importante para o preço dos combustíveis e do transporte da forma geral.

 

VOLATILIDADE 

 

Mas se diante de fatores combinados a coisa parecia promissora para o real no começo de abril, a dura realidade mostra que há, no meio de qualquer trajetória, a imponderável mão invisível do mercado.

 

E ela reage toda vez que as coisas não caminham como o esperado. As constantes pressões políticas em cima do Arcabouço Fiscal do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a sinalização do governo de que terá que abrir mão de alguns pontos (em especial a redução de subsídios para a cadeia produtiva) ligaram o sinal de alerta no mercado. Para Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha Investimentos cautela é a palavra de ordem. Avaliação do mercado é que a lei complementar manteve a espinha dorsal de seu anúncio: meta de resultado primário e despesas atreladas à receita. Mesmo assim, é esperado que a equipe econômica e o Planalto fortaleçam o discurso da solidez do Arcabouço e antecipação do superávit.

 

Toda essa cautela, no entendimento de Marcos de Marchi, economista-chefe da Oriz Partners, não impede o real de seguir se valorizando diante de uma conjuntura menos favorável para os EUA, o que tira o fluxo de dólares para o mercado de títulos do governo americano. “O Brasil se valorizou de forma muito parecida com o restante das moedas do mundo, mas há razões domésticas para sustentar essa valorização”, disse. Marianne pode respirar aliviada por mais uma semana.